Lê-se nos “Episódios maravilhosos de Fátima”, escrito pelo Rev. Pe. Manuel Nunes Formigão sob o pseudônimo de “Visconde de Montello”, um dos primeiros a entrevistar os três pastorinhos da aparição de Nossa Senhora em Fátima, após a pergunta do entrevistador à pequena vidente Lúcia dos Santos se Nossa Senhora havia ensinado alguma oração:
No diário da vidente Lúcia dos Santos, já feita religiosa, encontra-se essa mesma oração escrita à mão desta forma: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem”. Como se vê abaixo na imagem da fotocópia de seu diário (a da esquerda, e a da direita é uma transcrição):
Como se pode ver em um dicionário português de Portugal1, “alminhas” significa popularmente almas do Purgatório, tal como, em inglês, “poor souls” (pobres almas) se refere às almas do Purgatório.
O referido Padre Formigão, porém, admitiu mais tarde que substitui “alminhas” por “almas do Purgatório”, a fim de melhor precisar teologicamente a intenção de Nossa Senhora de que se rezasse expressamente pelas almas que padecem no Purgatório. Até mais ou menos 1940, outras variações, usando ora “alminhas”, ora “almas do Purgatório”, podem ser encontradas em diferentes publicações2.
A razão da referência ao Purgatório (ou às “alminhas”) ter sido cada vez mais abandonada, a partir da década de 40, provavelmente foi uma carta de 1941 da irmã Lúcia ao Bispo de Leiria, onde teria afirmado que para ela, Irmã Lúcia, ficou a impressão de que as últimas palavras desta oração se referiam às almas que se encontram em maior perigo ou mais iminente de condenação3. Ela então explica que a razão dessa impressão foi que sua prima, Jacinta, vidente de Fátima, insistia em rezá-la para evitar que mais almas se condenassem eternamente ao inferno.
Essa é uma interpretação ou impressão questionável da irmã Lúcia, que não encontra fundamento na oração em si, uma vez que o “livrai-nos do fogo do inferno” é uma referência explícita a todas as almas que nesse mundo estão em perigo de se condenarem, e também a elas, e não só às almas do Purgatório ou “alminhas”, poderia se referir o “principalmente as que mais precisarem“.
Ademais, o pai de Francisco e Jacinta Marto, videntes de Fátima, afirma que seu filho Francisco insistia que a oração em sua formulação original, com o termo “alminhas”, não fosse mudada e, no entanto, rezava em público junto com outros a versão até então vulgarizada, com o termo “Purgatório”. Isso é testemunhado pelo Monsenhor Finbar Ryan, O.P., em sua primeira edição de 1940 de seu livro sobre Nossa Senhora de Fátima4, e demonstra que havia uma indiferença entre ambos termos, porque significavam a mesma coisa.
Por fim, cremos que Nossa Senhora não seria imprecisa, querendo se referir às almas desse mundo, por uma expressão que no lugar, onde ela se dignou aparecer, usava-se para referir às almas do Purgatório, como recomendamos pedir com essa oração, também porque nela já se reza pelas almas desse mundo, com iminente perigo de se condenarem, ao dizer “livrai-nos do fogo do inferno“.
Notas
- https://dicionario-aberto.net/search/alminhas ↩
- Um exemplo foi dado pelo sr. Peter Chojnowski em um artigo de seu blog. Em nossa edição do Rosário, divulgada em nossa loja virtual, optamos pela seguinte versão: Perdoai-nos (as nossas dívidas), livrai-nos do fogo do inferno, aliviai as almas do Purgatório e socorrei principalmente as que mais precisarem. Em latim: Dimítte nobis (debita nostra), ab ígne Inférni líbera nos, ánimas Purgatórii allevia, præsertim máxime índigent. ↩
- Essa carta pode ser encontrada no livro Memórias da Irmã Lúcia, publicada em 1976. Alguns poderiam objetar que não há prova da integralidade dessa carta e que se aproveitaram de uma impostora para expor uma carta adulterada e favorecer a crença dos modernos aversos à doutrina Purgatório. Ainda que tudo isso fosse verdade, incluindo a suposta criminosa substituição da irmã Lúcia denunciada pelo Sister Lucy Truth, o fato é que foi a partir desses anos que quase todos começaram a substituir “alminhas” ou “almas do Purgatório” por “almas”, e não vemos outra causa proporcional para tal substiuição, senão através duma aprovação da própria irmã Lúcia, aprovação que poderia ser defendida ou demonstrada por outros meios. Portanto, neste artigo, presumiremos a integralidade de tal carta. ↩
- Mais informações sobre esta edição, veja o já referido artigo do sr. Peter Chojnowski em seu blog:
https://radtradthomist.chojnowski.me/2023/07/more-fatima-rosary-prayer-evidence-in.html ↩