Sermão de São Bernardo de Claraval, Doutor da Igreja, extraído do sermão do capítulo 6° do livro “Sermões de São Bernardo para o Advento e o Natal”
“E, depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi-lhe posto o nome de Jesus.1” — São Lucas II, 21
O oitavo dia é sempre o dia de coroação das grandes festas da Igreja, e completa a celebração das principais solenidades do ano. Está, por assim dizer, ligado ao primeiro dia ou ao dia de abertura da oitava, tal como o Senhor, no Sermão da Montanha, ligou a oitava bem-aventurança à primeira, com a promessa do reino dos céus.
Quando o Menino que nos nasceu foi circuncidado, foi chamado Salvador, pois foi então que começou a obra da nossa salvação, derramando o Seu precioso sangue por nós. Nenhum cristão pode agora perguntar porque é que Cristo quis ser circuncidado. Por nós Ele nasceu, por nós Ele foi circuncidado, por nós Ele sofreu e morreu. Nada disso tudo foi para Ele, mas tudo foi para os Seus eleitos. Ele não foi circuncidado pelos seus próprios pecados, mas pelos nossos. O nome pelo qual foi chamado pelo anjo antes do Seu nascimento era o Seu nome desde toda a eternidade. Este nome de Salvador era o Seu direito natural; nasceu com Ele, não foi imposto nem por anjo nem por homem. O ilustre profeta Isaías, predizendo o nascimento deste Divino Infante, chama-O por muitos grandes títulos, mas parece ter-se calado sobre este único nome que o anjo predisse, e do qual o Evangelista dá testemunho. Isaías, como Abraão, exultou por poder ver o dia de Cristo; também ele o viu e se alegrou. Regozijando-se e louvando a Deus, diz: “Um menino nasceu para nós, e um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus, Forte, Pai do século futuro2,Príncipe da Paz”.3 Estes são, de fato, grandes nomes, mas onde está o nome que está acima de todos os nomes, o nome de Jesus ao qual todo o joelho deve se dobrar? Talvez possamos encontrar esse único nome expresso, ou derramado em todos, pois é o mesmo de que falou o Esposo no cântico de amor: “O teu nome é como o óleo derramado”4. Portanto, em todos esses nomes e títulos, temos apenas o único nome de Jesus. Seu ofício de Salvador inclui todos. Se faltasse um, Ele não poderia ter sido chamado nem ter sido o Salvador.
Cada um de nós não descobriu por experiência que Ele foi Admirável na conversão e mudança de nossas vontades? Pois não é o começo da salvação quando detestamos o que antes amávamos, nos entristecemos com o que antes nos deleitávamos, abraçamos o que temíamos, seguimos aquilo de que fugíamos, desejamos o que desprezávamos? Aquele que realizou tais maravilhas em nós é certamente Admirável.
Jesus mostra-se o Conselheiro, orientando-nos na escolha da penitência e de uma vida bem ordenada, para que o nosso zelo não seja sem conhecimento e a nossa boa vontade sem prudência.
Era igualmente necessário que O experimentássemos como Deus, Forte. Deus na remissão de nossos pecados passados, pois ninguém além de Deus pode perdoar o pecado, e Forte quando nos capacita a lutar vitoriosamente contra aquelas paixões pecaminosas que estão sempre guerreando em nós, e que são capazes de tornar nosso último estado pior do que o primeiro.
Será que algo ainda parece faltar ao ofício de Salvador? Sim, na verdade, a principal coisa faltaria se Ele não fosse também o Pai do século futuro, para que nós, que somos gerados neste século para a morte, possamos por Ele ser ressuscitados para uma gloriosa imortalidade.
É necessário um outro título e qualidade – o de Príncipe da Paz, que nos reconciliou com o Seu Pai, a Quem deve devolver o reino. Caso contrário, como filhos da perdição, poderíamos ter ressuscitado para o castigo em vez da recompensa.
O principado, que está sobre os Seu ombro, será engrandecido pelo número dos salvos, para que Ele possa ser verdadeiramente chamado de Salvador; para que não haja fim da paz; e para que possamos saber que a nossa salvação é uma salvação verdadeira que não deixa medo de falhar.
Ó Nome bendito! Ó Óleo sagrado, como foste espalhado, como foste derramado profusamente! De onde veio este óleo? Veio do céu para a Judeia, e dali se difundiu por toda a terra, até os seus confins. A Igreja clama: “O teu nome é como o óleo derramado”. Derramado, de fato, até transbordar, uma vez que está espalhado, não só sobre os céus e a terra, mas a sua influência chega até ao inferno; de modo que “ao nome de Jesus se dobre todo o joelho no céu, na terra e no inferno; e toda a língua confesse” 5 e dirá: “O teu nome é como o óleo derramado.” Eis que o nome de Cristo e o nome de Jesus foram ambos comunicados aos anjos e derramados sobre os homens. Sou, então, feito participante desse nome salutar e vivificante. Sou um acionista da Sua herança. Sou um cristão. Sou um irmão de Cristo. Se sou irmão, sou também herdeiro de Deus e co-herdeiro de Cristo.
E que admira que o nome do Divino Esposo seja derramado? Na sua Paixão, esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo. Por esse derramamento, a plenitude de Sua divindade é difundida ou espalhada pela terra, e de Sua plenitude todos receberão; e quando refrescados com o perfume vivificante desse óleo místico, eles exclamarão: “Teu nome é como o óleo derramado.”
Mas por que esse nome é comparado ao óleo? Há, sem dúvida, uma semelhança entre o nome do Esposo e o óleo, e não é sem razão que o Espírito Santo estabeleceu uma comparação entre eles. O óleo ilumina, nutre e fortalece o corpo e alivia a dor. Por isso, ele é luz, alimento e remédio. Todas essas qualidades podem ser reconhecidas no santo nome de Jesus. Ele brilha e ilumina quando pregado, alimenta e fortalece pela sua lembrança, alivia a dor e unge as feridas da alma pela sua invocação. Consideremos estas três qualidades isoladamente.
Como é que a luz da fé brilhou tão subitamente sobre toda a terra, se não foi pela pregação do bendito nome de Jesus? Não foi pela luz deste nome que Deus nos chamou “à sua luz admirável”6, de modo que, iluminados por ele, veremos a luz, como declara o Apóstolo: “Outrora éreis trevas, mas agora (sois) luz no Senhor”7? Levava-o como uma tocha brilhante, e por Ele iluminava as nações que se encontravam nas trevas, de modo que podia exclamar: “A noite está quase passada e o dia aproxima-se. Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Caminhemos como de dia, honestamente.”8. Levantou a luz para o alto e anunciou por toda a parte o nome de Jesus e o seu crucificado. Como essa luz brilhou e atraiu os olhares de todos, quando da boca de Pedro o Nome sacrossanto deu força aos pés do coxo na Porta Especiosa do Templo! Não foi ele que difundiu esta luz quando disse a este homem: “Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda”? 9 E a quantos não restituiu a vista, a saúde e a fé, pelo poder deste mesmo Nome.
Mas o Nome de Jesus não é apenas luz, é também alimento. Não vos sentis fortalecidos e consolados sempre que o evocais? Não há pensamento que tanto reabasteça e encha a alma de doçura e alegria espiritual; não há exercício que tão eficazmente recrute e refresque o espírito fatigado, e mesmo os sentidos; que repare a força interior, dê vigor à virtude e acalente afeições puras, como a invocação frequente do Nome de Jesus. Todo o alimento da alma me é desagradável se este óleo não for derramado sobre ele; é insípido para mim se não for temperado com este Nome. Se escreves, não me agrada se não ler aí o Nome de Jesus. Se discutis ou instruís, não me satisfaz se não ouço o doce som do Nome de Jesus. Jesus é mel para a boca, música para o ouvido, jubileu para o coração.
O Nome de Jesus é, além disso, um remédio soberano. Se houver alguém oprimido pela dor, que Jesus entre em seu coração, e daí para seus lábios, e eis que, à luz nascente desse Nome sagrado, todas as trevas e nuvens se dissiparão, a paz e a alegria voltarão, e a serenidade de sua mente será restaurada. Se houver alguém manchado de crime, e levado pelo desespero para o abismo da destruição, que ele invoque este Nome vivificante, e ele será rapidamente restaurado à esperança e à salvação. Se houver alguém entre vós com dureza de coração, em preguiça ou tepidez, em amargura de espírito, se apenas invocar o Nome de Jesus, seu coração será suavizado, e lágrimas de contrição fluirão suave e abundantemente. Em perigos e aflições, em temores e ansiedades, que ele invoque esse Nome de poder, e sua confiança voltará, sua paz de espírito será restaurada. As dúvidas e os embaraços serão dissipados e darão lugar à certeza. Não há mal da vida, adversidade ou infortúnio, em que este nome adorável não traga ajuda e fortaleza. É um remédio cuja virtude nosso querido Salvador nos convida a testar. “Invoca-me no dia da tribulação; livrar-te-ei, e tu me honrarás.”10
Nada refreia tão eficazmente a cólera e domina o fogo de todas as paixões desregradas como este Santo Nome. Quando pronuncio o Nome de Jesus, represento para mim mesmo um homem manso e humilde de coração, benevolente, casto, misericordioso, um homem dotado de toda a santidade, de todas as graças, de todas as virtudes, e lembro-me de que esse homem é Divino, é o Deus Todo-Poderoso, que me cura pelo Seu exemplo e me fortalece pelo Seu poder. Todas as coisas boas me vêm à mente quando o Nome Sagrado de Jesus soa no meu ouvido. Vou, portanto, fazer para mim um unguento doce e soberano das virtudes da Sua humanidade e da Onipotência da Sua Divindade. Será para mim um bálsamo curativo, como nenhum médico jamais foi capaz de compor. E este electuário, minha alma, tu o guardaste no pequeno vaso do Nome de Jesus.
Que, então, este Nome de poder esteja sempre no meu coração, para que todos os meus pensamentos, desejos e ações sejam dirigidos por Jesus e para Jesus. A isto Ele mesmo me exorta: “Põe-me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre o teu braço”.11
Notas
- N. do T.: Todas as citações bíblicas foram retiradas da tradução da Vulgata do Padre Manuel de Matos Soares. ↩
- Nota do Editor – como no latim, Pater futuri saeculi, a palavra saeculi pode indicar tanto “século” quanto “mundo” ↩
- Is. IX, 6 ↩
- Ct. I, 2 ↩
- Fl. II, 10 ↩
- 1 Pd. II, 9 ↩
- Ef. V, 8 ↩
- Rm. XIII, 12 ↩
- At. III, 6, 10 ↩
- Sl. XLIX, 15 ↩
- Ct. VIII, 6 ↩