Extraído da Enciclopédia Católica aprovada em 19101
Um dos símbolos da fé aprovados pela Igreja e que tem lugar em sua liturgia, é uma exposição curta e clara das doutrinas da Trindade e da Encarnação, com uma referência passageira a vários outros dogmas. Ao contrário da maioria dos outros credos ou símbolos, ele lida quase que exclusivamente com essas duas verdades fundamentais, que ele declara e reafirma de forma concisa e variada, de modo a destacar inconfundivelmente a trindade das Pessoas de Deus e a natureza dupla na única Pessoa Divina de Jesus Cristo. Em vários pontos, o autor chama a atenção para a penalidade incorrida por aqueles que se recusam a aceitar qualquer um dos artigos ali estabelecidos.
N. do E.: Omitimos a tradução que viria a seguir para a língua inglesa desse Credo.
Quicúmque vult salvus esse, ante ómnia opus est, ut téneat cathólicam fidem: Quam nisi quisque íntegram inviolatámque serváverit, absque dúbio in ætérnum períbit. Fides autem cathólica hæc est: ut unum Deum in Trinitáte, et Trinitátem in unitáte venerémur. Neque confundéntes persónas, neque substántiam separántes. Alia est enim persóna Patris, ália Fílii, ália Spíritus Sancti: Sed Patris, et Fílii, et Spíritus Sancti una est divínitas, æquális glória, coætérna majéstas. Qualis Pater, talis Fílius, talis Spíritus Sanctus. Increátus Pater, increátus Fílius, increátus Spíritus Sanctus. Imménsus Pater, imménsus Fílius, imménsus Spíritus Sanctus. Ætérnus Pater, ætérnus Fílius, ætérnus Spíritus Sanctus. Et tamen non tres ætérni, sed unus ætérnus. Sicut non tres increáti, nec tres imménsi, sed unus increátus, et unus imménsus. Simíliter omnípotens Pater, omnípotens Fílius, omnípotens Spíritus Sanctus. Et tamen non tres omnipoténtes, sed unus omnípotens. Ita Deus Pater, Deus Fílius, Deus Spíritus Sanctus. Et tamen non tres Dii, sed unus est Deus. Ita Dóminus Pater, Dóminus Fílius, Dóminus Spíritus Sanctus. Et tamen non tres Dómini, sed unus est Dóminus. Quia, sicut singillátim unamquámque persónam Deum ac Dóminum confitéri christiána veritáte compéllimur: ita tres Deos aut Dóminos dícere cathólica religióne prohibémur. Pater a nullo est factus: nec creátus, nec génitus. Fílius a Patre solo est: non factus, nec creátus, sed génitus. Spíritus Sanctus a Patre et Fílio: non factus, nec creátus, nec génitus, sed procédens. Unus ergo Pater, non tres Patres: unus Fílius, non tres Fílii: unus Spíritus Sanctus, non tres Spíritus Sancti. Et in hac Trinitáte nihil prius aut postérius, nihil majus aut minus: sed totæ tres persónæ coætérnæ sibi sunt et coæquáles. Ita ut per ómnia, sicut jam supra dictum est, et únitas in Trinitáte, et Trínitas in unitáte veneránda sit. Qui vult ergo salvus esse, ita de Trinitáte séntiat. Sed necessárium est ad ætérnam salútem, ut Incarnatiónem quoque Dómini nostri Jesu Christi fidéliter credat. Est ergo fides recta ut credámus et confiteámur, quia Dóminus noster Jesus Christus, Dei Fílius, Deus et homo est. Deus est ex substántia Patris ante sǽcula génitus: et homo est ex substántia matris in sǽculo natus. Perféctus Deus, perféctus homo: ex ánima rationáli et humána carne subsístens. Æquális Patri secúndum divinitátem: minor Patre secúndum humanitátem. Qui licet Deus sit et homo, non duo tamen, sed unus est Christus. Unus autem non conversióne divinitátis in carnem, sed assumptióne humanitátis in Deum. Unus omníno, non confusióne substántiæ, sed unitáte persónæ. Nam sicut ánima rationális et caro unus est homo: ita Deus et homo unus est Christus. Qui passus est pro salúte nostra: descéndit ad ínferos: tértia die resurréxit a mórtuis. Ascéndit ad cælos, sedet ad déxteram Dei Patris omnipoténtis: inde ventúrus est judicáre vivos et mórtuos. Ad cujus advéntum omnes hómines resúrgere habent cum corpóribus suis; et redditúri sunt de factis própriis ratiónem. Et qui bona egérunt, ibunt in vitam ætérnam: qui vero mala, in ignem ætérnum. Hæc est fides cathólica, quam nisi quisque fidéliter firmitérque credíderit, salvus esse non póterit. |
Quem quiser salvar-se deve antes de tudo professar a fé católica. Porque aquele que não a professar, integral e inviolavelmente, perecerá sem dúvida por toda a eternidade. A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas e três Pessoas em um só Deus. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma so é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória, coeterna a majestade. Tal como é o Pai, tal é o Filho, tal é o Espírito Santo. O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo é incriado. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o Espírito Santo é imenso. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. E contudo não são três eternos, mas um só eterno. Assim como não são três incriados, nem três imensos, mas um só incriado e um só imenso. Da mesma maneira, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente. E contudo não são três onipotentes, mas um só onipotente. Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. E contudo não são três deuses, mas um só Deus. Do mesmo modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor. E contudo não são três senhores, mas um só Senhor. Porque, assim como a verdade cristã nos manda confessar que cada uma das Pessoas é Deus e Senhor, do mesmo modo a religião católica nos proíbe dizer que são três deuses ou senhores. O Pai não foi feito, nem gerado, nem criado por ninguém. O Filho procede do Pai; não foi feito, nem criado, mas gerado. O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado, mas procede do Pai e do Filho. Não há, pois, senão um só Pai, e não três Pais; um só Filho, e não três Filhos; um só Espírito Santo, e não três Espíritos Santos. E nesta Trindade não há nem mais antigo nem menos antigo, nem maior nem menor, mas as três Pessoas são coeternas e iguais entre si. De sorte que, como se disse acima, em tudo se deve adorar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade. Quem, pois, quiser salvar-se, deve pensar assim a respeito da Trindade. Mas, para alcancar a salvacão, é necessário ainda crer firmemente na Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. A pureza da nossa fé consiste, pois, em crer ainda e confessar que Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem. É Deus, gerado na substância do Pai desde toda a eternidade; é homem porque nasceu, no tempo, da substância da sua Mãe. Deus perfeito e homem perfeito, com alma racional e carne humana. Igual ao Pai segundo a divindade; menor que o Pai segundo a humanidade. E embora seja Deus e homem, contudo não são dois, mas um só Cristo. É um, não porque a divindade se tenha convertido em humanidade, mas porque Deus assumiu a humanidade. Um, finalmente, não por confusão de substâncias, mas pela unidade da Pessoa. Porque, assim como a alma racional e o corpo formam um só homem, assim também a divindade e a humanidade formam um só Cristo. Ele sofreu a morte por nossa salvação, desceu aos infernos e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos. Subiu aos Ceus e está sentado a direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. E quando vier, todos os homens ressuscitarão com os seus corpos, para prestar conta dos seus atos. E os que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna, e os maus para o fogo eterno. Esta é a fé católica, e quem não a professar fiel e firmemente não se poderá salvar. |
Nos últimos duzentos anos, a autoria desse resumo da fé católica e a época de seu surgimento têm fornecido um problema interessante para os antiquários eclesiásticos. Até o século XVII, acreditava-se que o “Quicumque vult”, como às vezes é chamado, por causa de suas palavras iniciais, fosse a composição do grande arcebispo de Alexandria, cujo nome ele leva. No ano de 1644, Gerard Voss, em seu “De Tribus Symbolis”, deu grande probabilidade à opinião de que Santo Atanásio não era seu autor. Suas razões podem ser reduzidas às duas seguintes:
Em primeiro lugar, nenhum escritor antigo de autoridade fala dele como sendo o trabalho desse doutor; e
em segundo lugar, sua linguagem e estrutura apontam para uma origem ocidental, e não alexandrina.
A maioria dos estudiosos modernos concorda em admitir a força dessas razões e, portanto, esse ponto de vista é o mais aceito atualmente. Quer o Credo possa ser atribuído a Santo Atanásio ou não, e muito provavelmente não pode, ele indubitavelmente deve sua existência às influências atanasianas, pois as expressões e a ação doutrinária exibem uma correspondência muito marcada, no assunto e na fraseologia, com a literatura da segunda metade do século IV e especialmente com os escritos do santo, para ser meramente acidental. Essas evidências internas parecem justificar a conclusão de que ele surgiu de vários sínodos provinciais, principalmente o de Alexandria, realizado por volta do ano 361 e presidido por Santo Atanásio. Deve-se dizer, no entanto, que esses argumentos não conseguiram abalar a convicção de alguns autores católicos, que se recusam a dar a ela uma origem anterior ao século V.
Uma tentativa elaborada foi feita na Inglaterra, em 1871, por E.C. Foulkes para atribuir o Credo ao século IX. A partir de uma observação passageira em uma carta escrita por Alcuíno, ele construiu a seguinte peça notável de ficção. O imperador Carlos Magno, diz ele, desejava consolidar o Império Ocidental por meio de uma separação religiosa, bem como política, do Oriente. Com esse objetivo, ele suprimiu o Credo Niceno, caro à Igreja Oriental, e substituiu-o por um formulário composto por Paulino de Aquileia, com a aprovação do qual e de Alcuíno, um ilustre estudioso da época, ele assegurou sua pronta aceitação pelo povo, afixando nele o nome de Santo Atanásio. Esse ataque gratuito à reputação de homens que todo historiador digno considera incapazes de tal fraude, somado às provas indubitáveis de que o Credo estava em uso muito antes do século IX, deixa essa teoria sem qualquer fundamento.
Quem, então, é o autor? Os resultados de pesquisas recentes tornam altamente provável que o Credo tenha vindo à luz pela primeira vez no século IV, durante a vida do grande patriarca oriental, ou logo após sua morte. Ele foi atribuído por diferentes escritores a Santo Hilário, a São Vicente de Lérins, a Eusébio de Vercelli, a Vigílio e a outros. No entanto, não é fácil evitar a força das objeções a todos esses pontos de vista, pois eles eram homens de reputação mundial e, portanto, qualquer documento, especialmente um de tamanha importância como uma profissão de fé, vindo deles, teria sido reconhecido quase que imediatamente. No entanto, nenhuma alusão à autoria do Credo, e poucas até mesmo à sua existência, pode ser encontrada na literatura da Igreja por mais de duzentos anos após a época deles. Nós nos referimos a um silêncio semelhante como prova da autoria não atanasiana. Ele parece estar disponível de forma semelhante no caso de qualquer um dos grandes nomes mencionados acima. Na opinião do Padre Sidney Smith, S.J., que a evidência que acabamos de indicar torna plausível, o autor desse Credo deve ter sido algum obscuro bispo ou teólogo que o compôs, em primeira instância, para uso puramente local em alguma diocese provincial. Não vindo de um autor de grande reputação, ele teria atraído pouca atenção. À medida que se tornou mais conhecido, teria sido mais amplamente adotado, e a compactação e lucidez de suas declarações teriam contribuído para torná-lo altamente valorizado onde quer que fosse conhecido. Seguir-se-ia a especulação quanto ao seu autor, e que maravilha, se, a partir do assunto do Credo, que tanto ocupou o grande Atanásio, seu nome foi primeiramente afixado a ele e, sem ser contestado, permaneceu.
As “cláusulas condenatórias”, ou “minatórias”, são os pronunciamentos contidos no símbolo, das penalidades que se seguem à rejeição do que é proposto para nossa crença. O livro começa com uma delas: “Quem quiser salvar-se, deve antes de tudo professar a fé católica”. O mesmo é expresso nos versículos que começam: “Mas, para alcançar a salvação” etc., e “A pureza de nossa fé consiste” etc., e finalmente no verso final: “Esta é a fé católica, e quem não a professar fiel e firmemente não se poderá salvar.”. Assim como o Credo declara de forma muito clara e precisa o que é a Fé Católica com relação às importantes doutrinas da Trindade e da Encarnação, ele afirma com igual clareza e precisão o que acontecerá com aqueles que não acreditarem fiel e firmemente nessas verdades reveladas. Elas são apenas o equivalente credal das palavras de Nosso Senhor: “Quem não crer será condenado”, e se aplicam, como é evidente, apenas à rejeição culpável e intencional das palavras e dos ensinamentos de Cristo. A necessidade absoluta de aceitar a palavra revelada de Deus, sob as severas penalidades aqui ameaçadas, é tão intolerável para uma classe poderosa na igreja anglicana, que tentativas frequentes têm sido feitas para eliminar o Credo dos serviços públicos dessa igreja. A Câmara Superior da Convocação de Canterbury já afirmou que essas cláusulas, em seu significado primário, vão além do que é garantido pela Sagrada Escritura. Tendo em vista as palavras de Nosso Senhor citadas acima, não deve haver nada de surpreendente na declaração de nosso dever de acreditar no que sabemos ser o testemunho e o ensinamento de Cristo, nem no pecado grave que cometemos ao nos recusarmos voluntariamente a aceitá-lo, nem, finalmente, nas punições que serão infligidas àqueles que persistirem culposamente em seu pecado. É exatamente isso que as cláusulas condenatórias proclamam. De um ponto de vista dogmático, a questão meramente histórica da autoria do Credo, ou da época em que ele surgiu, é de consideração secundária. O simples fato de que ele é aprovado pela Igreja como expressão de sua opinião sobre as verdades fundamentais com as quais lida, é tudo o que precisamos saber.
Notas
- Disponível em: https://www.newadvent.org/cathen/02033b.htm ↩