As heresias do Concílio Vaticano IIAs heresias do Concílio Vaticano II

O Bispo Dom Fellay, que até pouco tempo atrás e durante os últimos 24 anos foi o Superior-Geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, concedeu uma entrevista ao Tagespost em que disse algumas coisas que merecem ser consideradas.

A primeira é esta: “Nunca dissemos que o Concílio ensinou explicitamente heresias, mas tirou o muro de proteção do erro e assim permitiu que o erro se manifestasse

Está é uma declaração que condiz com a realidade? O Vaticano II somente expôs a Igreja ao erro ou ele realmente contém heresias? Resposta: Ele contém heresias.

Primeira heresia do Vaticano II: o ecumenismo.

O documento Unitatis Redintegratio, ou Decreto sobre o Ecumenismo, contém uma heresia patente contra o dogma católico que ensina que fora da Igreja não há salvação. O Concílio declara: “Por isso, as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação. Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica” (Unitatis Redintegratio, n. 3).

A Igreja Católica ensina como dogma – chamado por Pio IX de “o mais conhecido dogma católico” – que fora da Igreja não há salvação. O Concílio declara o exato oposto a esse dogma católico, isto é, que há salvação fora da Igreja Católica, que estas religiões acatólicas podem oferecer salvação a seus adeptos e que elas de fato possuem os meios de salvarem. Isso é heresia.

A segunda heresia do Vaticano II: a liberdade religiosa.

A Igreja Católica, professando ser a única e verdadeira Igreja fundada por Jesus Cristo, fora da qual não há salvação, entende que a liberdade religiosa é a liberdade da Igreja Católica para levar a cabo sua missão no mundo, para se estabelecer em todas as partes, para funcionar com liberdade como uma sociedade distinta do Estado. Também reclama a liberdade aos seus fiéis, para professarem e praticarem sua fé católica sem perseguição ou abuso. Porém, condena a ideia, por ser contrária à Sagrada Escritura, de que todas as religiões têm essas mesmas liberdades e esses mesmos direitos. Afirmar tal coisa seria o mesmo que dizer que qualquer pessoa ou organização possui o direito de fazer algo mau, o que é contrário à lei natural e, portanto, contrário aos ensinamentos da Igreja. Pode-se possuir somente o direito de fazer algo certo e nunca de fazer algo errado.

A liberdade é o poder de escolher o bem. A liberdade, falsamente entendida como a vontade de também escolher o mal, é a licença. Para que exista o exercício da verdadeira liberdade é necessário que não haja o detrimento de nenhum dever, porque a liberdade não existe para o mal, senão para o bem. Portanto, dado que o homem abusa da liberdade com o propósito de cometer o mal, isso não deve se chamar liberdade, senão licença.

A chamada liberdade de consciência é absolutamente ímpia, porque o homem tem a mais estrita obrigação de pensar corretamente acerca de Deus e das coisas que dizem respeito à religião, tanto teórica como prática. Mas ir contra o dever mais estrito da natureza é licença, não liberdade. Se estamos falando de uma transgressão voluntária de nosso dever perante Deus, a licença mencionada é ímpia. Se o homem reclamando a liberdade de sua consciência, tivesse o direito de pensar sobre Deus como lhe aprouvesse, tal “liberdade” ou tal “direito”, seria verdadeiramente uma impiedade.

A chamada liberdade religiosa, considerada em si mesma, é absurda. Essa proposição se prova pelo que acabamos de dizer, porque a liberdade religiosa ou das religiões deriva só da liberdade de consciência, como, porém, a liberdade de consciência é absurda, conclui-se também que a liberdade religiosa é absurda. Porém, há que dizer algo mais. Se é dada a liberdade às religiões, então se tira de Deus o poder de impor aos homens um determinado culto e se impõe a Deus a obrigação de aceitar ou ao menos aprovar qualquer forma de culto inventado pela razão humana. Mas Deus ordenou uma forma de culto: o da religião católica. Em consequência, Ele não está obrigado a aceitar qualquer forma de culto que os seres humanos pretendam oferecê-lo. Disso se deduz que os homens não podem, sem evidente irreligião e impiedade, rechaçar os preceitos de Deus e ser os árbitros de seu próprio culto. Por outro lado, é uma impiedade negar-lhe a faculdade de determinar o culto religioso e impor-lhe algum tipo de dever sobre a aprovação indiscriminada de todas as formas de culto religioso. Portanto, a liberdade religiosa é absurda.

O “Concílio” Vaticano II, no entanto, ensina que a liberdade religiosa para o indivíduo e para as organizações religiosas é um direito que emana da noção da dignidade humana. Ademais, diz que essa doutrina fundada sob a dignidade humana está contida na Revelação, mas não dá nenhuma referência onde a Revelação de Deus garantiria o direito de crer e praticar qualquer religião que se queira. O Vaticano II ensina na Dignitatis Humanæ, nº. 2: Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites”.

Alguns tentam defender o Concílio dizendo que só se tinha a intenção de afirmar que ninguém deveria ser obrigado a converter-se ao catolicismo por meio da espada. A Igreja sempre ensinou que a conversão não deve ter lugar dessa maneira, e condenou qualquer intento de fazê-lo. No entanto, que esta não seja a intenção do Concílio, pode se comprovar nos parágrafos que seguem ao mencionado anteriormente: “A liberdade ou imunidade de coação em matéria religiosa, que compete às pessoas tomadas individualmente, também lhes deve ser reconhecida quando atuam em conjunto. Com efeito, as comunidades religiosas são exigidas pela natureza social tanto do homem como da própria religião. Por conseguinte, desde que não se violem as justas exigências da ordem pública, deve-se em justiça a tais comunidades a imunidade que lhes permita regerem-se segundo as suas próprias normas, prestarem culto público ao Ser supremo, ajudarem os seus membros no exercício da vida religiosa e sustentarem-nos com o ensino e promoverem, enfim, instituições em que os membros cooperem na orientação da própria vida segundo os seus princípios religiosos. Também compete às comunidades religiosas o direito de não serem impedidas por meios legais ou pela ação administrativa do poder civil, de escolher, formar, nomear e transferir os próprios ministros, de comunicar com as autoridades e comunidades religiosas de outras partes da terra, de construir edifícios religiosos e de adquirir e usar os bens convenientes. Os grupos religiosos têm ainda o direito de não serem impedidos de ensinar e testemunhar publicamente, por palavra e por escrito a sua fé”.

Aqueles que vivem em um país como os Estados Unidos, onde a liberdade religiosa descrita nesses parágrafos se considera um direito civil normal, inclusive sagrado, não percebe a malícia dessas palavras. Se substituímos “religião” por “aborto”, o ponto poderia se tornar mais evidente. “Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito ao aborto… As clínicas de aborto são exigidas pela natureza social tanto do homem como do próprio aborto… Desde que não se violem as justas exigências da ordem pública, por justiça se deve dar a imunidade, para tais clínicas de aborto, que permita a elas se regerem segundo as suas próprias normas, realizarem abortos em público, ajudarem os seus membros na prática do aborto e sustentarem com o ensino e, enfim, a promoverem instituições em que os membros cooperem na orientação da própria vida segundo os seus princípios abortivos”.

Preciso continuar? Deve-se assinalar que, por odioso que seja um crime como o aborto, a profissão de uma religião falsa é muito mais odiosa aos olhos de Deus, sendo diretamente contrária a seus direitos solenes. Não se deve esquecer que, no capítulo 32 de Êxodo, Deus ordenou a morte de todos aqueles que tinham participado da adoração do bezerro de ouro e que não haviam se arrependido disso. A quantidade de mortos foi 23.000. Este evento transcendental foi para mostrar ao povo hebreu a obrigação de aderir à verdadeira religião e de rechaçar as religiões falsas. Segundo o Vaticano II, Moisés deveria ter proclamado a liberdade religiosa para todos os adoradores de bezerros.

A liberdade religiosa, como a ensina o Vaticano II, é na realidade uma heresia, ela foi solenemente condenada pelo Papa Pio IX por ser contrária as Sagradas Escrituras. Ademais, Dom Lefebvre considerava a liberdade religiosa uma heresia, ele disse exatamente isso a Pe. Cekada numa conversa de jantar em Oyster Bay.

A terceira heresia do Vaticano II: a nova eclesiologia.

Por eclesiologia nos referimos à doutrina da Igreja sobre sua própria natureza, isto é, sua essência e características. O Vaticano II ensina uma eclesiologia herética. Ela está contida na Lumen Gentium.

O dogma tradicional da Igreja Católica é que só a Igreja Católica é a única verdadeira Igreja de Cristo e que, portanto, qualquer entidade fora dela mesma é uma religião falsa. Isso inclui inclusive aquelas religiões cismáticas do Oriente que podem ter um Sacerdócio válido e Sacramentos válidos. Se um é cortado do tronco, o Papa, não passa a ser mais que um ramo morto que caiu da videira. O Vaticano II alterou essa doutrina para incluir “outras denominações cristãs” na Igreja de Cristo, dizendo que a Igreja de Cristo, enquanto corpo organizado, subsiste na Igreja Católica.

O que significa subsistir? A substância é a qualidade de uma coisa pela qual ela existe por si mesma e não em outra. Por exemplo, uma cor não pode existir por si mesma, mas deve sempre existir em outra coisa, por exemplo, em uma pintura, em uma flor, em um pano. Essa “outra coisa” deve ter sua própria subsistência.

Aplicando isso à eclesiologia, se a Igreja de Cristo não subsiste por si mesma, senão que deve subsistir em outra coisa, significa que a Igreja de Cristo é realmente distinta daquilo em que subsiste, que são duas naturezas distintas. Significa que a Igreja de Cristo não é a Igreja Católica, e a Igreja Católica não é a Igreja de Cristo. Por outro lado, se por natureza não fossem duas coisas distintas, seriam a mesma coisa, e seria necessário dizer que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, que é precisamente o dogma da Igreja Católica.

A doutrina do “subsiste em” também significa que a Igreja de Cristo poderia subsistir em outra coisa, como a Igreja Luterana, por exemplo.

Na medida em que essa doutrina é perfeita para as heresias do ecumenismo e da liberdade religiosa, ela destrói as doutrinas da Igreja de que a Igreja Católica é exclusivamente a Igreja de Cristo e vice-versa. A Igreja de Cristo e a Igreja Católica são uma e a mesma coisa, e assim é com caráter exclusivo, o que significa que nenhuma “outra organização cristã” pode ser de algum modo chamada Igreja de Cristo. O único nome apropriado para elas é de seita herética ou cismática.

A quarta heresia do Vaticano II: a colegialidade.

Esta doutrina, também contida na Lumen Gentium, sustenta que o sujeito (possuidor) do poder supremo na Igreja é o colégio episcopal ou dos bispos. Vejamos o Concílio: A Ordem dos Bispos, que sucede ao colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral, e, mais ainda, na qual o corpo apostólico se continua perpetuamente, é também juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja” (n. 22).

Isso é heresia. Porque a Igreja Católica ensina que o Romano Pontífice é o cabeça da Igreja Católica. Vejamos o Concílio de Florença: “Da mesma maneira definimos que a Santa Sé Apostólica e o Romano Pontífice tem primazia em todo o mundo e que o Romano Pontífice é sucessor do Bem-Aventurado Pedro, o chefe dos Apóstolos, e o verdadeiro Vigário de Cristo, e que ele é a cabeça de toda a Igreja, e o pai e mestre de todos os cristãos; e que todo o poder lhe foi dado no Bem-Aventurado Pedro por Nosso Senhor Jesus Cristo, para alimentar, legislar e governar a Igreja universal; tal como está contido nas Atas dos Concílios Ecumênicos e nos cânones sagrados” (Decreto para os Gregos, 6 de julho de 1439).

O Papa Pio VI condenou a seguinte doutrina: “Todos os bispos juntos em um só corpo governam a mesma Igreja, cada um com pleno poder”.

Alguns tentam salvar o Vaticano II da acusação de heresia dizendo que o Concílio declara que o Papa é o chefe do colégio e que esse último não pode atuar sem o primeiro. Mas isso não o salva da heresia, porque o Papa, nesse caso, simplesmente se converte em outro membro do colégio dos bispos e seria simplesmente uma condição de seu poder, mas não a fonte de seu poder.

Outros tentam salvar o Concílio assinalando que o documento afirma que o Papa é o chefe da Igreja: “Em virtude de seu ofício, isto é, como Vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, o Romano Pontífice tem plenitude, poder supremo e universal sobre a Igreja”. No entanto, este é um intento vão. Nenhuma organização pode ter duas cabeças, dois legisladores supremos. Uma deve dar a última palavra, a quem a outra esteja subordinada. O Rei Carlos I da Inglaterra perdeu a cabeça defendendo a supremacia do rei sobre o parlamento.

No entanto, outros tentam salvar o Concílio citando a Nota Preliminar de Explicação (a Nota Prævia), mas isso não tem nenhum valor, já que não faz parte do documento aceito pelos bispos. O teólogo modernista Yves Congar se apressou em dizê-lo quando era perito no Concílio. Ademais, não há nada na Nota Prævia que cancele a heresia conciliarista do documento.

A doutrina católica é que o Papa, como Cabeça suprema da Igreja, pode convidar os Bispos para um Concílio geral, no qual, por seu consentimento, participam em seu poder de governar a Igreja. Ademais, nesses Concílios gerais, a autoridade dos bispos se limita as suas dioceses. O poder para governar a diocese provém de Cristo, mas chega a eles através do Romano Pontífice, quem pode tirar-lhes o poder quando quer que o deseje. O Papa Pio XII o ensinou na encíclica Mystici Corporis Christi: “Ainda que nisto mesmo [no exercício do ofício episcopal], não sejam plenamente independentes, mas estão sujeitos à autoridade do Romano Pontífice, de quem receberam imediatamente o poder ordinário de jurisdição que possuem” (n. 41).


Mons. Fellay capitula ante os modernistas ao falar do Concílio. Há aproximadamente um ano, o Vaticano disse à Fraternidade São Pio X que não poderia haver nenhuma esperança de reconciliação a menos que a FSSPX aceitasse o Vaticano II e o magistério posterior ao Vaticano II. Ao dizer que não há heresia no Vaticano II, Mons. Fellay diz que o Vaticano II é ortodoxo, isto é, católico e não é ofensivo à fé católica.

Se é assim, o que é que estávamos fazendo durante os últimos cinquenta anos?

Mons. Fellay também fala sobre a questão da Missa Nova. Ele faz esta notável declaração: “Nem todas as Missas Novas são diretamente um escândalo, mas a celebração repetida da Missa Nova conduz a um enfraquecimento ou inclusive a uma perda da Fé”.

Pergunta: Como não poderia ser um escândalo se leva à perda da fé? Como poderia uma Igreja infalível e indefectível, a Igreja de Cristo, assistida pelo Espírito Santo, coluna e fundamento da Verdade, como a chama São Paulo, promulgar a todo mundo um rito que leva à perda da fé? A declaração de Mons. Fellay cai sob o anátema do Concílio de Trento: “Se alguém disser que as cerimônias, vestimentas, sinais externos, que a Igreja Católica usa na celebração das missas são incentivos à impiedade em lugar de um serviço de piedade, seja anátema”.

Mons. Fellay afirma nesta mesma entrevista que a Missa tradicional é como uma trompete de prata, enquanto a Missa Nova é como um trompete de bronze: Só digo que se você está recebendo um chefe de Estado e se tem a opção de escolher um trompete de prata ou um de bronze, você escolheria o trompete de bronze? Seria um insulto. Não o faria. Inclusive as melhores Missas Novas são como trompetes de bronze, comparadas à liturgia tradicional. Para Deus, escolheríamos o que é o melhor”.

A única conclusão que se pode extrair desta declaração é que a Missa Nova é uma missa católica, mas unicamente inferior à missa tradicional. No fim, ambas são trompetes! O prateado é simplesmente mais bonito que o bronze. Creio que uma melhor analogia teria sido comparar a Missa Nova não a um trompete de bronze, mas a um elefante gigante com flatulências.

Mons. Fellay, até pouco tempo atrás, era Superior-Geral da organização que pretende ser o baluarte da tradição, a única esperança para os fiéis católicos que querem proteger-se do Vaticano II e das suas reformas. No entanto, ele está confuso quanto aos mais altos princípios de resistência ao Vaticano II. Por um lado, ele diz que a Missa Nova enfraquece ou destrói a sua fé, o que significa que é veneno, e algumas linhas mais tarde diz que é um trompete de bronze e não de prata, o que significa que existe uma mera diferença de qualidade entre as Missas.

Por esta razão nos alegramos de nos ter separado da FSSPX em 1983. Então vimos as sementes desta completa confusão teológica, esta teologia à la Maxine Waters [política congressista dos EUA], e não quisemos ser parte dela.

Podemos ser pequenos comparados à FSSPX, mas não somos confusos. Como disse Garrigou-Lagrange: “Mil idiotas não equivalem a um gênio”. Do mesmo modo, mil Sacerdotes confusos não são iguais a um sacerdote com a cabeça no lugar.