Extraído do livro Tesouros de Cornélio a Lápide, organizada pelo Abade Barbier, a partir dos célebres comentários de Cornélio a Lápide às Sagradas Escrituras1
A ambição é um veneno. Desgraças que causa
A ambição, diz S. Bernardo, é um mal sutil, um veneno secreto, uma enfermidade oculta; é um artesão fraudulento, a mãe da hipocrisia, o princípio das chagas profundas, a origem dos vícios, a que amamenta os crimes, o mofo das virtudes, a traça da santidade, a cegueira dos corações; converte os remédios em poção capaz de produzir enfermidades e sustentar seu aumento.
A ambição cega o homem e lhe rouba a razão… A ambição é o manancial das disputas, dos ódios, das guerras e das injustiças…. É a mãe da pobreza e da indigência.
A ambição nunca se vê saciada
A ambição é a chaga dos séculos; é um câncer que a tudo devora… Jamais tem o bastante; quanto mais tem, mais quer ter… Buscando expandir-se, cobiça o que não lhe pertence.
O que nunca é suficiente constitui uma fortuna, diz Sêneca; mas nada lhe basta à ambição: Nunquan mulium est quod satis non est (In Prov.)
Alexandre, chamado o Grande, era pobre; buscava constantemente, percorria terras e mares desconhecidos: chegou a sentir-se apertado no universo e, depois de conquistá-lo, chorou. Porque chorava Alexandre? Ah! Porque já não lhe restava nenhum reino a conquistar. Oh loucura! E logo lhe bastaram seis palmos de terra…
O que basta à natureza, não basta à ambição… Oh cegueira!
O ambicioso é desgraçado
A ambição, diz S. Bernardo, é a cruz dos que lhe dão abrigo. Como pode que, sendo um suplício, agrade? Não há cansaço maior, nem suplício mais cruel, e sem embargo, nada é mais célebre que suas façanhas aos olhos dos desgraçados mortais: Ambilio ambientium crux; quomodo omenes torquens, ominibus places? Nihil acerbius crucial, nihil molestius inquietat, nihil tamen opud miseros mortales celebrius negotiis ejus (Lib. III. de Consid.)
A ambição, prossegue S. Bernardo, é a montanha sobre a qual se fixou o anjo, o anjo convertido em demônio: Iste est mons in quem ascendit angelus, est diabolus factual (Lib. III. de Considerat.)
Os ambiciosos se alimentam de ar. Porque, que são as honras senão um sopro popular, uma tempestade de pouca duração que a tudo destrói? A ambição é capaz de pretender encerrar em umas redes, carregar água em uma peneira, edificar sobre areia, semear nas rochas, cortar as chamas com uma segur, lavrar as ondas do oceano, tornar branco ao etíope, fabricar teias de aranha, cantar para um surdo, contar as ondas do oceano, e ensinar natação ao ferro…
Devemos fugir da ambição
S. Próspero disse de um modo admirável: aquele que quer possuir a Deus, deve renunciar ao mundo, a fim de que Deus seja seu único tesouro; aquele que se diz possuído pela ambição de possuir os bens da terra, não renunciou às coisas mundanas; tanto que não se desprende do que lhe pertence, é o escravo do mundo, cujos bens conserva. Não pode servir a Deus. Não pode servir a Deus e a ambição ao mesmo tempo (In Sentent.).
Notas
- O PDF da edição desse livro em língua espanhola, feita em 4 volumes, pode ser encontrado em: https://archive.org/details/tesoros-de-cornelio-a-lapide-tomo-4 ↩