Extraído de uma edição de 1935 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1
EM 15 DE JULHO de 1766 uma multidão de povo se cumprimia no adro da Casa dos “Scolopi di Campi” e dizia: “Morreu o Santo; morreu aquele que santificou o nosso país”. Quem era aquele Santo? Era o Padre Pompílio Maria Pirrotti, amigo e pai dos jovens e dos pobres, humilde filho do grande José Calasanz, fundador das Escolas Pias, apóstolo fervoroso, penitente austero, um anjo em carne, o novo Santo.
Pompílio Maria Pirrotti nasceu em 29 de setembro de 1710 em Montecalvo Irpino, na província de Benevento. A graça do Senhor era difusa em seu coração, e juntamente com ela Deus nele havia deitado a semente da santidade; mas na semente como em embrião era contida a vida de uma árvore frondosa e opulenta. Assim, a juventude de Pompílio é, em miniatura, uma síntese da virtude, que pouco a pouco foi se desenvolvendo com os anos, até o heroísmo.
Um belo prelúdio costuma indicar uma bela composição musical. As primeiras manifestações da piedade infantil de Pirrotti, seu ardente amor a Jesus Sacramentado, a devoção terna, quase excessiva se assim é lícito se exprimir, a Maria Santíssima, que chamava “Mamãe bela”, a caridade imensa aos pobres e pecadores, o respeito aos pais, a nobreza e candura dos seus sentimentos, a austeridade inconcebível, quase impossível em uma criança, o zelo, com que ao som do sino reunia ao seu redor os meninos coetâneos para catequizá-los, tudo isto, agigantado e extenso a um campo mais largo, formará no porvir a figura moral, que Pompílio se dará como educador da mocidade, catequista do povo, missionário do Coração de Cristo, reformador da sociedade.
Maravilhado de tão prematura santidade, o povo, com o pio exagero, repetia: “Pompílio é santo desde o seio de sua mãe” e ufanando-se de tão extraordinário concidadão, dizia: “ele é o nosso santo”.
Os desígnios de Deus, porém, com o seu servo, eram bem diversos. Deus quis afastar Pompílio para longe dos amores mais ternos e mais justos, e transportou-o para um convento dos seus prediletos. Na quaresma do ano de 1726, o jovem Pirrotti conheceu um Padre da Escola Pia e a ele confiou a direção de sua alma. Percebeu o bom Padre a boa disposição de Pompílio, e um dia, sem mais preâmbulos, perguntou-lhe: “Filho, queres entrar em nossa Ordem?” Pompílio não respondeu, mas seu coração exultou; era a voz de Deus. O desejo da perfeição, a ânsia de entrar nas belezas recônditas da vida espiritual, o amor imenso de mergulhar-se todo em Deus, operaram poderosamente sobre a sua vontade, e, em uma célebre noite, sozinho, às escondidas, o rapaz, “tomado de santa coragem — o que de certo não é para imitar, mas para admirar — fugiu da casa paterna para refugiar-se da tempestade do mundo no Instituto das Escolas Pias”.
Noviço fervoroso, professou solenemente em 1728. Aplicado aos estudos sacros, granjeou fama de perfeito teólogo; não só se familiarizou com a Escritura e os Padres, como também, fiel à tradição católica, se dedicou ao estudo das Letras, cultivando assim o espírito e o bom gosto.
Antes de chegar ao sacerdócio, foi incorporado ao magistério da escola, por ele considerado e praticado como um magistério sagrado, segundo o espírito do Fundador do Instituto, José Calasanz. Pirrotti era justamente o que São Paulo tanto recomendava a Tito, que fosse: dava o exemplo da boa obra, em todas as coisas, na doutrina, na integridade e gravidade. De que maneira os discípulos o amavam e o admiravam, vê-se pelo fato, que o deixavam sempre com pesar no coração. Nas ruas e praças o acompanhavam em grande número; e ele por sua vez os deliciava com santas e amáveis palavras e pequenos presentes, atraindo-os, por assim dizer, com santa fascinação.
Na juventude, via a imagem de Deus; nos meninos, enxergava os homens de amanhã e, para corresponder ao fim de sua missão, fazia-se pequeno com os pequenos, para assim preservar as tenras plantinhas do bafo impuro dos vícios e implantar nos coraçõezinhos o amor à virtude e à piedade; para habituá-los à pureza dos costumes e à fortaleza, perseverando naquela piedade e na Religião, que é o esplendor e a alegria nas horas mais avançadas da vida.
Pompílio era ótimo educador no espírito do seu Fundador, e como tal amava de amor puro e desinteressado as crianças, em particular as mais pobres. Em sua escola reinava o espírito do Divino Mestre, o espírito da caridade, do sacrifício, da paciência e da simplicidade, porque, instruindo o próximo, procurava sempre e unicamente a glória de Deus. Não fazia da escola um templo acadêmico, onde o mestre pode satisfazer a sua vaidade em propor uma ciência vã, mas um templo cuja base fundamental era o amor de Deus.
Excetuando os primeiros sacerdotes das Escolas Pias, que foram verdadeiros missionários no meio das populações alemãs, contagiadas pela heresia luterana, os “Scolopis” exercitaram geralmente seu ministério apostólico na Escola. Exceção também fez Pompílio Pirrotti, cujo coração ardente, cuja alma católica, desejosa de abraçar todos e conduzi-los todos a Cristo, levou-o a estender sua atividade apostólica e seu zelo sacerdotal a outro campo.
Nos anos do seu apostolado preparou-se entre os povos aquela transformação das ideias religiosas e morais, que deu ao século XVIII o qualificativo de “século da incredulidade”. Pompílio, no perfeito conhecimento do grande perigo, correu para catequizar o povo e combater o mal. Sua poderosa eloquência, que era a do Evangelho, o exemplo de sua vida santa, o testemunho de Deus por meio de milagres, tudo concorria para trazer as multidões à prática sincera da moral e da vida cristã.
Sua mira era a glória de Deus e a salvação das almas. Para si nada, tudo para os outros. Neste seu apostolado não media sacrifício; para servir a Deus e às almas tudo suportava de bom ânimo: incômodos de viagem, chuva, calor, fadigas e jejuns. Pregava nos templos, nas praças, nos campos; pregava aos grandes do mundo e aos pequenos do vulgo. Passava no meio do povo qual anjo consolador. Onde havia inimizades e ódios, lá aparecia Pompílio e apaziguava os ânimos. Onde imperava a dor, o desespero, Pirrotti trazia o bálsamo do consolo e da conformidade.
Grande apóstolo em anunciar a palavra de Deus, Pirrotti, sacerdote de grandes virtudes, era grande distribuidor também da misericórdia divina no Sacramento da Penitência. A fama de santidade que possuía, fazia com que inúmeras pessoas corressem aos seus pés no confessionário, pedindo perdão e conforto. O Santo não tinha hora fixa; a todos recebia indistintamente, e a qualquer tempo; a todos dava o que procuravam: a paz da alma, coragem para levar a cruz e os corações mais duros e rebeldes fazia voltar às práticas da religião e da virtude.
As suas viagens apostólicas levavam-no às regiões do Norte e do Sul da Itália. Vemo-lo pregar ao povo humilde e simples dos Abruzzos, e nas terras napolitanas. Foi Pirrotti um dos primeiros a defender e propagar a nascente devoção ao Sagrado Coração de Jesus na Itália. Vemo-lo pregar, e de um modo particular o Sagrado Coração, fazendo-se acompanhado de um grupo de pessoas, a que dava o nome de Congregação do Sagrado Coração de Jesus.
O merecimento do santo sacerdote ainda se apresenta maior, quando se considera o tempo em que viveu. As ideias errôneas e perigosas do Jansenismo tinham encontrado eco em todos os países da Europa, inclusive a Itália. Mister era, opor-lhes a mais forte resistência. A heresia do Jansenismo punha Deus longe dos homens e cortava as relações de amor entre o céu e a terra. Pirrotti opôs-lhe um dique pela devoção ao Sagrado Coração de Jesus, fonte segura da vida cristã.
Está nos desígnios da Providência que na vida dos Santos os triunfos alternam com humilhações e dores. Nos Santos se renova, por assim dizer, aquele admirável contraste que caracteriza a vida de Cristo. Pirrotti é destes Santos. Contra ele se conjuraram as iras dos maus. Foi coberto de calúnias, golpeado pelo ódio e pela inveja; foi chamado de louco, punido pelos superiores da Ordem, pela Autoridade eclesiástica e civil; foi enxotado da pátria de uma maneira humilhante, como malfeitor escoltado por soldados armados. Pompílio, sob os golpes da guerra satânica, se humilha, reza, chora e nobremente perdoa. Mas Deus viu a humildade de seu servo e o exaltou. Por toda a parte onde o exilado passou, o plebiscito universal de amor e de veneração o aclamou e saudou: “Padre Santo”.
Dotado de carismas, rico em merecimentos, terminou sua dura carreira apostólica em 15 de julho de 1766, implorando com doçura os nomes de Jesus e Maria, sua “Mãe bela”.
Beatificado sob o pontificado de Leão XIII, o novo educador e missionário insigne foi posto sobre o candelabro da Igreja por Pio XI.
REFLEXÕES
Em São Pompílio Maria Pirrotti vemos o modelo de zelador das almas, que do magistério fazia seu apostolado. A grande importância da escola na formação intelectual e moral do indivíduo conheceram-no bem os inimigos da Igreja, quando resolveram dela se apoderar; não menos a compreende a Igreja, que do Apostolado da Escola nunca se descuidou. A Igreja, que é Mestra da humanidade, como mestra dos povos, sempre tomou a peito a educação de seus filhos na família e na escola. A Escola transmite à criança os conhecimentos práticos e necessários para a vida; mais: a Escola ensina de todas as ciências a mais necessária: a de conhecer Deus, amar Deus e a Deus servir. Os poucos conhecimentos da religião que a criança traz de casa, a Escola os aprofunda, os alarga e solidifica. A escola não só ensina: ela educa; forma o caráter da criança, esclarece sua inteligência, acostuma sua vontade à prática do bem; dá ao coração o sentimento da virtude.
A Igreja nunca se esqueceu do exemplo da palavra de seu Fundador, que chamou para perto de si as crianças, e, abençoando-as, disse aos apóstolos e aos pais: “Deixai vir a mim as crianças, porque delas é o reino dos céus”.
Jesus Cristo, como Redentor nosso, é Senhor das nossas almas, também da alma da criança. A criança lhe pertence; a Escola lhe pertence por direito divino.
Daí seguem duas coisas, uma para os pais, outra para os professores. Para os pais: Implantai nas almas dos vossos filhos o amor de Jesus Cristo e respeito à Santa Igreja. Lembrai-vos da grande responsabilidade que tendes de educar os vossos filhos para Deus, que vo-los deu. Confiai-os a professores dignos, competentes e católicos. Não deis aos vossos filhos o escândalo de os matricular em escolas leigas ou protestantes. Terrível maldição de Cristo pesa sobre os que dão escândalo aos pequenos: “O que escandalizar um destes pequenos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço a mó que um asno faz girar, e que o lançassem ao fundo do mar” (Mateus 18, 6). A Igreja, fiel intérprete do pensamento de seu Fundador, sublinha estas palavras de Cristo e as confirma com uma terminação do seu Código de Direito Canônico: “Estão sujeitos à excomunhão (por serem suspeitos de heresia), pais católicos ou que, às vezes, deles fizerem, que deliberadamente entregam os filhos para serem educados na religião acatólica” (Can. 2.319, n. 4).
É crime de traição a Nosso Senhor, igual àquele de Judas, de que Cristo teve a terrível afirmação: “era melhor para ele que não tivesse nascido” (Mateus 26, 24). Ao dever dos filhos, de dar respeito, amor e obediência aos pais, corresponde o destes, de educar os filhos para Deus, que deu tão maravilhoso mandamento.
Os professores devem se lembrar da palavra de Cristo, que diz: “Quem recebe uma destas crianças em meu nome, a mim é que recebe” (Mateus 18, 5). A missão do professor é sublime e altamente apostólica. Bem os inimigos da religião sabem, quanta influência a Escola, a ação do professor tem sobre a alma da criança. Por isso mesmo, certos do poder sugestivo do professor sobre seus alunos, querem a escola acatólica.
O professor católico é o guardador na escola das tradições religiosas da família católica. Entregando-lhe os filhos, os pais sabem que os restitui bons, ou até melhores do que eram antes. O professor católico é cooperador ativo do sacerdócio a que Cristo confiou os seus interesses mais sagrados: o de pregar o Evangelho e de ensinar a observar tudo o que Ele mesmo ensinou.
Para poder digna e eficazmente se desempenhar desta alta missão, é preciso que siga os princípios do grande Mestre que foi Pompílio Maria Pirrotti. Embora não seja sacerdote, em primeiro lugar, deve trabalhar pela sua própria santificação, exercitando-se constantemente na caridade, na paciência, na mansidão e na humildade. Assim, se suas palavras convencem, seu exemplo arrasta. Não deve ter em mira outra ambição senão esta: trabalhar pela glória de Deus, isto é, para que Cristo venha a reinar nos corações dos seus educandos.
Pode haver elogio maior do professorado católico do que aquele que se acha na célebre profecia do profeta Daniel (12, 3)? Que diz: “Aqueles que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça (da virtude) luzirão como as estrelas por toda a eternidade”.
Notas
- PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-ii ↩