Extraído de uma edição de 1928 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1
Fatos como os que referem os santos Livros, de Deus ter ouvido as orações de piedosos esposos e lhes ter dado prole, depois de longo espaço de anos passados em aparente esterilidade, têm se repetido na vida dos Santos, como prova a de Santo André Corsini. Da nobre família dos Corsini, em Florença, nasceu André no dia do Apóstolo do mesmo nome, coincidência que determinou os pais a darem este nome ao primogênito e muito desejado filho.
Antes de dar à luz André, sua mãe teve um sonho singular, que bastante a impressionou. Viu que seu fruto era um lobo, o qual, correndo para a Igreja dos Carmelitas, à entrada da mesma, transformou-se em cordeiro. A significação deste sonho, muito mais tarde, se descobriu. André não foi o filho, como os pais o tinham desejado; muito pelo contrário. Desprezando ordens, conselhos e ameaças dos seus progenitores, muitos desgostos lhes causavam. Certa vez, em ocasião de grande mágoa, sua mãe disse-lhe: “Meu filho, estou vendo que és o lobo que me foi mostrado em sonho. A primeira parte deste sonho está realizada. Quando chegará a segunda, que te mostre transformado em cordeiro?” Muito impressionado com estas palavras da mãe, André pediu-lhe que as explicasse. A mãe contou-lhe o sonho e disse-lhe, ainda, que tinha feito o voto a Deus e Maria Santíssima de consagrar seu filho a seu santo serviço, voto este, cujo cumprimento não só dela dependia.
André, muito comovido com aquilo que ouvira, caiu aos pés de sua mãe, chorou amargamente e prometeu emenda de sua vida. Foi à Igreja dos Carmelitas, pediu admissão na Ordem, fez-se religioso da Ordem do Carmo e começou uma nova vida. Tentações as mais terríveis e impertinentes, que o demônio, a carne e o mundo lhe causaram, com a graça de Deus corajosamente as venceu e ficou perseverante na sua santa vocação. Após o noviciado, seus superiores mandaram-no para Paris onde, com muito brilho, concluiu os estudos. Quando soube que seus parentes lhe preparavam carinhosa e festiva recepção em Florença, onde devia celebrar sua primeira Missa, foi a um convento bem distante de sua cidade natal e celebrou a Missa em todo o recolhimento.
Já naquele tempo notavam-se coisas extraordinárias na sua vida religiosa. A um primo seu, João Corsini, livrou de um tumor maligno na garganta, impondo-lhe as mãos, e fez com que este seu parente se convertesse a Deus, depois de ter levado uma vida bem desregrada.
Convidado para batizar o filhinho de um amigo, durante a santa cerimônia começou a chorar amargamente. Aos que lhe perguntaram o motivo de sua comoção, disse: “Choro, porque esta criança nasceu para a desgraça de sua família”. E assim aconteceu. O infeliz filho morreu como traidor da pátria e todos os seus parentes foram degradados.
Poucos anos depois foi nomeado superior do convento em Florença e nesta qualidade, principalmente como pregador, trabalhava com muito bom resultado. Quando morreu o bispo de Fiesoli, o cabido daquela diocese elegeu André para sucessor. Este, porém, sabendo o resultado da eleição, retirou-se a uma cartuxa bem distante, e baldadas foram as diligências para o encontrar. Houve, então, segunda sessão dos eleitores, para procederem a uma nova eleição. Não chegaram a realizá-la, pois uma criança de três anos exclamou em alta voz: “Deus quer que André seja o nosso Bispo. Ele está na cartuxa em oração”. Uma comissão que para lá se dirigiu, achou o Santo, como a voz infantil tinha afirmado. André, por sua vez, teve um aviso do céu para aceitar o novo cargo.
Sendo Bispo, em nada modificou sua vida, a não ser nos exercícios de penitência. Sabendo que Deus exige do bispo maior santidade que dos fiéis e do clero, André não se poupou para satisfazer a esta exigência. O uso do cilício era constante. À recitação do breviário acrescentou-se a dos salmos penitenciais e uma dura flagelação. Sua mesa era pobre e o jejum frequente hóspede de sua casa. Grande parte da noite ele passava-a em oração e meditação, e, para o repouso, servia-lhe uma cama dura e incômoda. O trabalho diurno era dedicado à administração da diocese, à instrução religiosa da mocidade e às visitas aos doentes. Conversas com pessoas de outro sexo eram limitadíssimas; aduladores e caluniadores, ele os detestava, e grande amor votava aos pobres. Como o Papa São Gregório, possuía um canhenho, com os nomes e as necessidades dos indigentes. A imitação do Divino Mestre, lavava cada quarta-feira os pés de alguns pobres. Apresentando-se uma vez um deles com os pés cheios de úlceras, não quis que o bispo lhos lavasse. André, porém, insistiu para que não fizesse exceção. Não só lhe lavou os pés, como os deixou inteiramente curados.
Não podia o Bispo deixar de ser alvo das simpatias dos diocesanos. Todos o amavam como um verdadeiro pai e o veneravam como um Santo. Desta maneira era muito grande a influência que André exercia sobre os espíritos dos seus súditos. Muitos se convertiam, outros faziam as pazes com os seus inimigos. Em Bolonha existia grande divergência entre a aristocracia e o povo. Todas as tentativas da parte do clero e de pessoas importantes, para conciliar os partidos, tiveram resultado negativo. Receando piores consequências, o Papa Urbano V, incumbiu ao Bispo de Fiesoli a missão de restabelecer a paz entre as duas partes inimigas. O que parecia coisa impossível, André o conseguiu, e seu nome estava na boca de todos, que o bendiziam como anjo da paz.
No ano de 1372, na noite de Natal, teve um desmaio. Uma voz do céu anunciou-lhe a morte para o dia 6 de janeiro. No dia seguinte, sobreveio-lhe uma febre, que não mais o deixou. Preparando-se para sua viagem à eternidade, recebeu com muita devoção os Santos Sacramentos. Sua última palavra foi: “Agora deixai, Senhor, partir em paz o vosso servo, segundo a vossa palavra.” — Seu corpo descansa na Igreja dos Carmelitas, em Florença. O povo, em vez de rezar pelo descanso eterno da alma de seu Bispo, dirigia orações ao que tinha em reputação de Santo. Urbano VIII canonizou-o em 1639, transferindo sua festa para 4 de fevereiro. Santo André Corsini é o padroeiro da cidade de Florença.
Reflexões
1. Santo André Corsini, não achando tempo necessário para rezar, tomava as noites, passando-as em colóquios com Deus. O mundo chama isto de extravagância, senão mania religiosa. Mania, a seu ver, não é passar as noites em jogo, nos bailes e divertimentos, e perder o tempo com futilidades e na ociosidade. O conceito que Deus fará dos Santos e dos filhos do mundo não poderá ser duvidoso. “Meu Deus e Senhor, — exclamava São Lourenço Justiniano — quanto tempo de minha vida passou sem eu ter tirado proveito! Que direi no dia do juízo! Como poderei levantar os meus olhos a vós, Senhor da minha vida, quando exigirdes conta dos dias de minha existência!” Assim falava um Santo, seriamente preocupado com a responsabilidade que tinha perante Deus do uso que fez de seu tempo.
— Que uso fazes do tempo, que Deus te deu? Lembra-te de que deves dar conta a Deus da tua administração.
2. Achando-se doente, Santo André, recusou os remédios que se lhe ofereciam, para diminuir-lhe o sofrimento. Deus não exige de ti este sacrifício. O uso de remédios é lícito. Lícito é o recurso a medicamentos, que trazem o alívio da dor. É inegável, porém, que Deus nos manda doenças e dores para beneficiar a alma. Para muitos uma doença é um bem extraordinário. Nos seus sofrimentos lembram-se de Deus e fazem penitência. “A doença do corpo é saúde para a alma”, diz São Gregório. “Muitos há, — diz Santo Agostinho — que, achando-se doentes, não pensam em impurezas, enquanto, gozando de saúde, são escravos da luxúria”.
— Se Deus te mandar uma doença, aceita-a humildemente e entrega-te cegamente à sua Providência.
3. Antes de dar à luz seu filho André, a mãe do Santo teve um sonho singular. Sonhos há que têm por autores os Anjos ou o próprio Deus, são benefícios e contribuem extraordinariamente para a santificação do homem, como provam numerosos fatos do antigo e novo Testamento. Sonhos diabólicos perturbam, e têm por fim afastar o homem do bem e incitá-lo ao pecado. Muitos são os sonhos, e em sua quase totalidade, simples ativações do sistema nervoso, e como tais, nenhuma importância têm. Há pessoas, e não poucas, que atribuem aos sonhos uma influência poderosa sobre a vida, e com muito empenho procuram obter sua explicação. Esta prática é supersticiosa, e é pecado. Uma palavra do Espírito Santo não te deixará em dúvida sobre o valor dos sonhos; ele diz: “Não ponhas neles o teu coração, porque os sonhos têm feito extraviar a muitos, que caíram, por terem posto neles a sua confiança” (Eclesiástico 34, 6-7).
Notas
- PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-i_202312 ↩